domingo, 19 de agosto de 2007

Sim, dizia eu, sou poeta!


Sim, dizia eu, sou poeta!

Dizia eu, sim sou poeta!
Nasci perto das montanhas estéreis
Que não param de parir pedras.
A pátria não me chegou, requeri o Cosmos;
Diante de mim só vejo uma estrada aberta
E uma multidão errante que questiona
E disserta sobre o sentido da antropodisseia.

Porventura isto faz de ti poeta?
Acaso lês a intenção dos ventos?
Cantas hinos imortais e escreves
Versos que prometem extasiar gerações?
Levas impressas na alma as angústias do teu povo?
Porque reclamas ser poeta? Perguntámos nós!
Saberás o que é ser poeta? Perguntámos nós!

Sim, dizia eu, sou poeta!
Na aldeia onde nasci a geração é de víbora e serpentes!
As montanhas frustradas e as ribeiras desenganadas!
O sopro do vento desgastado e dissonante!
O que hei-de cantar? Tristezas de um povo néscio?
Angustias de uma natureza magoada pelo infortúnio?
Não! O coração do poeta se recusa a fazer tal coisa!

Por ventura isto faz de ti poeta?
Não serás antes um cobarde
Que recusa enfrentar as adversidades?
Qual é o poeta que não se identifica com o seu torrão pátrio?
Qual é a lógica que norteia a tua vida? Perguntámos nós!
Quem és tu? De onde vens e para onde vais?
Que nos tens a dizer? Perguntámos nós?

Dizia eu, sim sou poeta!
Porque hei-de amar uma pátria-masmorra?
A ilha é para mim uma prisão e o mar seu carcereiro.
Qual é a lógica que norteia a minha vida? Perguntais vós!
É a ausência da lógica, eis a minha resposta!
Amo por amar e vivo por viver
Eis a minha grande animação!

Quem sou? De onde venho e para onde vou?
Perguntais vós, intimados pela lógica racional!
Nem se quer sou! Aspiro a ser! Confusos?
Nem de todo existo! Participo da existência Daquele que é!
Venho do Ser e vou para o Ser! Intrigados?
A pátria não me enforma e nem aceito tal identidade.
Ah! Sim, sou poeta continuo a dizer!

Porventura isto faz de ti poeta?
Continuais vós a discorrer! Pelo menos sabes fingir?
É a vossa derradeira dúvida!
Não sei fingir, mais sei fingir que finjo. Tenho vontade, expressão do ser.
Imagino o inimaginável e lanço nos horizontes do desejo
A vontade de saber ser livre, a vontade de crer para entender.
A vontade de ir dizendo, “Sim, dizia eu, sou poeta!







5 comentários:

Paulino Dias disse...

Alô, Jairzinho, para te dizer que passei por aqui. Gostei dos teus poemas - esta, por exemplo, não deixa de ser corajosa!

Abraços,

Anônimo disse...

Este é o poema do poeta, do poeta que recusa a ver na pátria as paixões que o limita a aceitar que outras pertenças estão para além do limite circunscrito pelo acidental acaso natural de ter nascido numa ilha. É o poeta que canta o exílio, não o exílio forçado, mas o exílio imposto pelo próprio poeta como condição existencial de distanciamento das paixões que sacralizam o culto da pátria. Por isso, este é o poeta que recusa a cultuar a pátria e que na sua manifesta condição de quem requer a pertença ao cosmo, automaticamente, recusa a pertença exclusiva a uma ilha, a um arquipélago. Portanto, este é o poeta que, transcendendo as fronteiras de uma nacionalismo doentio, vagab[m]undeia nas teias e nos mundos que preenchem e dão forma à sua múltipla pertença.

Anônimo disse...

Sim és poeta. Porque o poeta sonha com outros mundos entre o desejado e o impossível. Força poeta.
Abraço

Jairzinho Pereira (Jair) disse...

Ora viva Víctor!

A existência não têm pátria. O ser humano não é nada mais nada menos que ele e a sua involvência. Sim, também somos contradição, mas a contradição é tão cosmopolita como a vida e a morte. Todos nascem, todos morrem. Eu não temo a morte, mas não a desejo porque, embora mortal, acredito não ser a minha vocação morrer.Só por isso. Não pratico o culto da pátria porque a minha vocção é o cosmos.

Bem-haja pelo comment;

Anônimo disse...

Caro anónimo!
Sim, prefiro outros mundos e não um patriotismo cego e automatizado. Mundos sonhados e impossíveis acalentam a alegria do ser.

Bem-haja pelo comment;