quarta-feira, 30 de maio de 2007
"Levantai-vos, vamos". (Mc. 14, 42).
O que nos espera além do horizonte?
Eis a intrigante questão que está na origem dos mitos mais simples e das cosmogonias sonhadas; das doutrinas mais ou menos elaboradas e de um leque de sistemas escatológicos que depspertam fascínio/curiosidade, intriga, temor e reverência. É certo que, à vista desarmada, parece que a grande questão é "de onde viemos?". Mas não. Esta não existiria se não houvesse a necessidade de responder a uma outra: para onde vamos? Ou seja, é a angústia proveniente da vontade de conhecer, de antemão, o além-horizonte que puxa o género humano à questão das origens.
Nem à simplicidade da idade pueril parece lógico narrar uma estória sem princípio. As origens são, quase sempre, obscuras... embora nunca tenham faltado explicações a seu respeito. No entanto, é o devir a fonte da angústia. É o que está para vir o fomento de erros como o Purgatório de Agostinho e a ilusão do progresso do espírito humano de Condorcet, Hegel e seus seguidores; o embate entre a filosofia da miséria e a miséria da filosofia (Marx vs Proudhon), o optimismo prometeico do cientismo oitocentista; a religião social de Compte e a fé no progresso histórico de Collingwood; a sonhada e idealizada sociedade socialista, a filosofia racista dos finais do século XIX e as suas dramáticas consequências na centúria imediata (cuja a expressão máxima foi o espectáculo de morte que a máquina nazi ofereceu ao mundo) a crença na civilização e as torpezas cometidas em nome deste conceito hipócrita. .. Enfim, sistematiza-se tudo em função de um devir (embora fora do alcance do homem) preparado e idealizado. Posto isto, julgo ser rigoroso definir o devir (sobretudo a necessidade de o compreender) como o grande motor da história. Se é certo que vivemos governados por mortos, também é certo que as nossas preocupações não estão centradas no que ajuizaram sobre o pretérito, mas sim sobre o devir. Assim, o presente (que carece de qualquer extensão) está “grávido” do devir e a interpretação do passado não deve descartar a dialéctica com a concepção do devir.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
5 comentários:
Caminhante contemplando o nevoeiro, de Gaspar D. Friederich.
It is a great pleasure and an honour for me to leave this comment to your guestbook. I hope everything´s alright with you. Um abraço amigo da tua amiga eterna, Glória.
Thanks Gloria!
I am quite fine! Looking forward for your new comments.
Tu me manques;
Oi jairzinho
Não foi por acaso que hoje registo este comentário no teu blog. Não foi mesmo!
Não sei se viste no nosso asemana online uma nota sobre a morte de uma jovem, filha de imigrantes cabo-verdianos na Holanda.
Fiquei abalada com a notícia, que soube através de um amigo parente de "a menina morta" (usando a formulação literária do brasileiro Cornélio Penna).
São em momentos com este que questionamos a nossa existência. Embora sabemos que a vida por cá é instantânea, ninguem pensa na transição aos 18 anos...
Deixo aqui registada as minhas lágrimas e sei que encontro em ti um ombro amigo.
Bjs
Estás certíssima Eurídice. Casos como este levam-nos pensar a nossa existência.
Ninguém pensa na transição aos aos 18 anos. Ensina a tradição patrística (sobretudo pela voz de Agostinho de Hipona) que, embora criados mortais (mortale, ou seja, capaz de morrer), não fomos criados dsetinados a morrer (moriturum)(Patrologia latina 44, p. 111). A sustentar tal tese está uma complexa doutrina - a da queda da humanidade prefigurada em Adão e Eva, ou o pecado original, tema que não é para aqui chamado. No entanto, quando reparo na forma como nos agarramos à vida e só desitimos dela quando não temos mais para dar, tendo a julgar que alguma coisa correu mal e que a morte não é nossa vocação.
Encontramos nas diversas tradições filosóficas o elogio da morte, sobretudo em contraste com uma vida imoral. Na Apologia de Sócrates, Platão enfatiza sistematicamente a tranquilidade do mestre (Sócrates) perante o fim trágico que se avizinha (Cf.I, 34e; I, 35d; III, 41, a-b e III, 41d). A ideia ideia de que só a sabedoria (que se confunde com a virtude) confere capacidades necessárias para enfrentar bem a morte, torna-se bem visível numa das mais emblemáticas expressões filosóficas da antiguidade – o estoicismo. Tal como Platão, os estóicos (Séneca, o tutor de Nero; o imperador Marco Aurélio, só para apontar alguns)vão ver na filosofia, ou seja, numa vida virtuosa, a melhor forma de promover um bom encontro com a morte.
Com a escatologia e a soteriologia cristã, a morte ganha um novo sentido.
A questão da morte encontra um novo eco no desabrochar da filosofia existencialista, nomeadamente com Martin Heidegger (1889-1976) que, na sua famosíssima obra Sein und Zeite (Ser e Tempo, 1927) aprsenta morte como sendo um fenómeno da própria vida (Die Tod in weitsten Sinne ist ein Phänomen des Lebens); definição que não me parece nova, uma vez que Agostinho já no século V definira a vida terrena como uma autêntica marratona para a morte) e Séneca, numa das suas cartas dirigida ao seu amigo Lucílio escrevia o seguinte:“Morremos diariamente, já que diariamente ficamos privados de uma parte da vida; por isso mesmo, à medida que nós crescemos, a nossa vida vai decrescendo. Começamos por perder a infância, depois a adolescência, depois a juventude. Todo o tempo que decorreu até ontem é tempo irrecuperável, o próprio dia em que estamos hoje, compartilhámo-lo com a morte. Não é a ultima gota que esvazia a clepsidra, mas toda a água que anteriormente foi escorrendo; do mesmo modo não é a hora final em que deixamos de existir a única que constitui a morte, mas sim a única que a consuma. Atingimos a morte nessa hora, mas já de há muito caminhávamos para ela. Ao descreveres esta situação com a tua eloquência habitual, sempre notável, mas nunca tão sublime como quando pões a palavra ao serviço da verdade, escreveste este verso: «a morte vem gradualmente, a que nos leva é a morte última»”. (SÉNECA, Lúcio Aneu, Cartas a Lúcilio, 24, 20-21,tradução, prefácio e notas de J. A. Segurado e Campos, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1991, p. 93).
Como vês não houve um momento da História no qual a realidade tanatológica deixou indiferente o género humano, que antes de o experiemntar na sua dimensão mais fenomenológica, procura entendê-la. No entanto, pouco sabemos sobre a morte e com tantas reflexões e, hoje, tantas evidências científicas, continuámos a temê-la. Se me perguntares qual a razão para esse temor, responde-te-ia que é o simples facto de ser a vida e não a morte a nossa verdadeira vocação. Por isso tememnos esse movimento adverso, esse motus ad non esse.
Ninguém pensa na transição aos 18 anos, mas a transição dá-se todos os dias, a cada instante. A qualquer momento é correcto dizer "nunca estive tão perto da morte).
Postar um comentário